Lisboa Minha Cidade

Lisboa Minha Cidade
Mirador de Santa Luzia

sexta-feira, outubro 06, 2006

UMA PEDRA SOBRE O RIO

Começou, aos poucos, a deixar de ouvir o que se discutia na sala de reuniões. Para quê tentar convencer quem não queria ser convencido? Por detrás da cabeça do colega que estava à sua frente, conseguia ver o céu, as copas das árvores a baloiçar, e foi-se deixando afastar daquela sala, com alguma sensação de libertação, olhando lá para fora.
Tantas vezes lhe ocorria aquele pensamento de que tudo lá fora continuava, indiferente ao que se passava, ao que se decidia. Sentia-se atraída por essa ideia de deixar as coisas correrem, indiferente.
Seguia, de tempos a tempos, as conclusões bombásticas dos colegas, ia dizendo uns «claro» esquivos, escrevinhava gatafunhos que não tencionava vir a decifrar. Estava tão longe daquela sala. Sentia crescer aquela desilusão que a acompanhava ultimamente, sentia que tudo aquilo era um enorme desperdício de tempo, que nada valia a pena. Angustiava-se por se sentir assim, mas cada vez mais lhe acontecia perceber que tudo o que fazia tinha perdido o sentido.
Quando a reunião finalmente terminou, estava cansada e aborrecida. Resolveu sair logo do edifício, antes que alguém se lembrasse de lhe pedir alguma opinião, de comentar alguma decisão. Começou a andar pela rua fora, arrastando a pasta e a desilusão, as pernas pesadas e os olhos no fundo das órbitas.

Santos, Margarida Fonseca in "Uma Pedra Sobre o Rio", ediçõesDifel, S.A.

Sem comentários: